sexta-feira, 1 de abril de 2016

A falta do amor maduro

Todas as pessoas, inclusive aquelas poucas que já começaram a analisar sua mente e emoções inconscientes, em geral subestimam a forte ligação que existe entre as aspirações e a sua não-realização na criança e as dificuldades e problemas atuais do adulto. Bem poucas pessoas experimentam pessoalmente — e não apenas teoricamente — a força desse elo. É fundamental que se tenha consciência total dele. 

Podem existir casos isolados, excepcionais, em que um dos pais oferece um grau suficiente de amor maduro. Mesmo que um dos pais tenha esse amor em alguma medida, provavelmente o outro não o terá. Visto que um amor maduro, nesta Terra, só existe em certo grau, a criança sofrerá pelas deficiências até mesmo de um pai/mãe amoroso. 

Com mais frequência, entretanto, ambos os pais são emocionalmente imaturos e não conseguem dar o amor desejado pela criança, ou apenas o dão em medidas insuficientes. Durante a infância, raramente essa necessidade é consciente. A criança não tem meios de formular suas necessidades em pensamentos. Ela não consegue comparar o que tem com o que os outros têm. Não sabe que alguma outra coisa pode existir. Acredita que tudo é como deve ser. Ou, em casos extremos, sente-se isolada de modo muito idiossincrático, acreditando que a parcela que lhe cabe não pode se comparar à de mais ninguém. Ambas as atitudes a desviam da verdade. Em ambos os caos a emoção real não é consciente e, portanto, não pode ser adequadamente avaliada nem bem equacionada. Assim, a criança cresce sem nunca entender bem por que é infeliz, e nem sequer se é infeliz. Muitos de vocês olham para trás, para a sua infância, convencidos de que tiveram todo o amor que queriam apenas porque tiveram, e fato, um pouco de amor. 

Há um sem-número de pais que dão grandes demonstrações de amor. São capazes, inclusive, de superproteger seus filhos. Esses excesso de afagos e mimos pode ser uma compensação e uma espécie de pedido de desculpas por uma inabilidade, profundamente suspeita, e amar com maturidade. A criança sente a verdade com muita intensidade. Pode não pensar sobre ela conscientemente, mas em seu interior sente agudamente a diferença entre amor maduro e autêntico e a alternativa substitutiva imatura e aparatosa que lhe é oferecida. 

  [...] Nos filhos de pais rigorosos, o ressentimento e a rebeldia são mais expostos, e por isso mais fáceis de rastrear. No caso de pais brandos, a rebeldia também é forte, mas oculta e, portanto, infinitamente mais difícil de detectar. Se você tivesse um pai/mãe que o asfixiasse com afeição ou pseudo-afeição, e no entanto não oferecesse carinho verdadeiro, ou se tivesse um pai/mãe que fizesse tudo certo conscientemente, mas que também não tivesse afeição, inconscientemente você perceberia isso como criança e ficaria ressentido. Pode acontecer que você não tenha percebido isso de modo consciente, porque, quando criança, não podia pôr o seu dedo no que estava faltando. Externamente, você ganhava tudo o que queria e de que precisava. Como poderia traçar a linha divisória e tênue, a sutil distinção entre o afeto verdadeiro e a pseudo-afeição com seu intelecto de criança? O fato de que algo o incomodava sem que você fosse capaz de explicá-lo racionalmente o fazia sentir-se culpado e inseguro. Assim, você afastava tudo isso do seu campo de visão o mais que podia.

Enquanto as mágoas, decepções e necessidades não satisfeitas dos seus anos iniciais permanecerem inconscientes, você não conseguirá chegar a um acordo com elas. Não importa o quanto ame seus pais, existe em você um ressentimento inconsciente que o impede de perdoá-los pelo desgosto que lhe causaram. Você poderá esquecer e perdoar somente se entrar em contato com sua mágoa e ressentimento profundamente escondidos. Como um ser humano adulto, você verá que seus pais também são apenas seres humanos. Eles não estavam livres de deficiências nem eram perfeitos como a criança pensava e esperava que fossem, e não devem ser rejeitados agora porque tinham seus próprios conflitos e atitudes imaturas. A luz da razão consciente deve ser projetada sobre essas mesmas emoções das quais você nunca se permitiu estar plenamente consciente. 

Eva Pierrakos em, O CAMINHO DA AUTOTRANSFORMAÇÃO

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"A mente inocente é aquela que não pode ser ferida. Uma mente sem marcas de ferimentos recebidos — eis a verdadeira inocência; temos cicatrizes no cérebro e, com elas, queremos descobrir um estado mental sem ferimento algum. A mente inocente não pode ferir-se (isto é, sofrer ofensa), porque nunca transporta um ferimento de dia para dia. Não há, pois, nem perdão, nem lembrança.[...] A mente em conflito não tem nenhuma possibilidade de compreender a Verdade" — Krishnamurti