Como suscitar o estado de percebimento interior, em que possamos ver tudo o que está ocorrendo
dentro de nós, sem parcialidades, sem suposições neuróticas - possamos estar cônscios, sem escolha, dos
fatos? Não sei se alguma vez você tentou (não, psicanaliticamente) examinar cada pensamento, cada
sentimento; descobrir a fonte de tal pensamento ou sentimento; ver, pelo exame do comportamento, sua
causa e motivo, e as diferentes camadas (se se pode usar tal palavra) da mente, da consciência. Ora, isso
exigiria muito tempo e não nos levaria a parte alguma, porque o processo analítico supõe "o analista", e este
está condicionado: por conseguinte, tudo o que examinar será visto através de seu estado condicionado. O
processo analítico é obviamente limitado, e não é, portanto, o caminho certo. Deve haver uma maneira de
nos olharmos totalmente, sem as complicações da análise introspectiva, etc.; deve haver um estado, uma
maneira de olhar, de observar, capaz de revelar-nos todo o conteúdo da nossa consciência. Não sei se você já
inquiriu a esse respeito e, se o fez, qual é sua resposta? Compreende o problema? Os entes
humanos estão condicionados; seus padrões de conduta, seus pontos de vista, suas atividades, sua
agressividade, seus contraditórios estados mentais - ódio e amor, prazer e dor, desespero e esperança - a
batalha constante que se verifica no campo da consciência, a invenção de deuses, crenças, seitas - tudo isso é
produto da mente condicionada. Nossas nacionalidades, as divisões entre pessoas, raças, etc., tudo isso é o
resultado da educação que recebemos e da influência da sociedade que nós mesmos edificamos. Eis-nos,
pois, em pleno campo da consciência - desta nossa consciência que, tão obviamente, se acha condicionada.
Como nos libertarmos dessa consciência condicionada, completamente, de modo que não haja mais conflito
de espécie alguma? Conflito, luta, batalha - tudo isso é desperdício de energia. Toda a nossa existência se
consome dessa maneira - um desejo oposto a outro, uma exigência, um impulso, um instinto em contradição
com outro. Tal é nossa maneira de vida - e perguntarmos a nós mesmos se temos possibilidade de abandoná-la
de todo, e, se temos, como fazê-lo? É realmente possível isso?
Dissemos que os sistemas, filosofias e religiões não deram liberdade ao homem; ele continua na prisão em que converteu sua consciência, e isso de modo nenhum é liberdade. É o mesmo que um prisioneiro, vivendo entre quatro paredes, dizer que é livre. Não é livre; poderá dar voltas no pátio da prisão, mas a liberdade é uma coisa totalmente diferente, acha-se inteiramente fora da prisão. Vendo-se todo esse complexo das relações humanas, esse complexo de condicionamento, batalha, luta, medo da morte, solidão, desespero, falta de amor, brutalidade, agressividade, temos possibilidade de libertar-nos dele, de ultrapassá-lo completamente? Nenhum agente exterior pode socorrer-nos; o "agente exterior" é outra invenção dá mente condicionada, outra ideologia da mente que é incapaz de descobrir a saída e, por conseguinte, necessita de uma crença. Ora, quando você varre tudo isso para o lado, resta-lhe apenas o fato de que a mente está toda condicionada, tanto a mente consciente como a camada inconsciente, mais profunda. Se estamos cônscio desse fato, que sucede? Se me torno cônscio de que tudo o que faço, todo movimento de pensamento, todo meu esforço, se acha entre os limites desse condicionamento, que sucede então? Entende esta pergunta? Percebo que minha mente e até mesmo todo o complexo de células cerebrais estão gravados do enorme peso do passado - memórias, experiência, conhecimentos, tradições, sistemas de comportamento, aceitos em nome da lei e da ordem e que, contudo, permitem a agressão, o assassínio mútuo, a mútua destruição pela palavra, os gestos, as ações. Ora, como posso tornar-me cônscio disso? Intelectualmente? (Tenha a bondade de acompanhar-me até o fim; não fique meramente escutando, ouvindo, mas acompanhe-me realmente.) Como posso tornar-me cônscio desse fato? Preciso perguntar a mim mesmo: "Que entendo por 'estar cônscio'?", "Como estou olhando o meu condicionamento?" É bem óbvio que, ao olhá-lo, ou o condeno, ou o justifico, ou o aceito como inevitável.
[...] Assim, que entendemos por "percebimento de um fato"? Sinto que estou condicionado; isso é um fato, e eu o percebo, dele estou cônscio, conheço-o; que significa isso? Existe alguma separação entre esse percebimento e a coisa percebida? Estou cônscio de meu condicionamento como uma pessoa que o observa "de fora"? Sei que somos agressivos, em palavras, em sentimentos, em atos. Sei-o como conhecimento, ou estou em comunhão com o fato, não como uma entidade externa: uma comunhão que se estabeleceu entre a entidade que está cônscia e a coisa de que está cônscia? Entende? Muito importa compreender isso. Você diz "sei que estou condicionado"; ora, "sei" é uma palavra muito complexa. Você esteve antes olhando o seu condicionamento, aprendeu alguma coisa a respeito dele e diz "sei". Mas, dizendo "sei", já acumulou conhecimentos a respeito dele, e é com esses conhecimentos que o olha. Mas, no ínterim, a coisa, o condicionamento, está sujeita a modificar-se, e de fato se modifica. Por conseguinte, é perigoso em extremo dizer "sei". Dizer "eu conheço você" é um absurdo. Ao dizer "conheço minha mulher, meu marido, meus filhos, meu amigo, meu Deus (este vem por último) - isso significa que conhece sua esposa, ou seu marido, ou seu amigo, como eram há dois ou três dias antes. Ora, no ínterim, o amigo, o marido ou a esposa modificou-se. Portanto, dizer "sei" (ou "conheço") é errôneo (se posso usar essa palavra). O conhecimento, pois, lhe impede de olhar. Ora, posso "olhar" sem a experiência prévia, sem o conhecimento, isto é, posso olhar de maneira nova, "com olhos novos"? A vida é uma série de experiências, conscientes ou inconscientes; as experiências, as influências de vária espécie, as idéias, a propaganda - tudo isso está constantemente a despejar-se e a deixar marcas em nossa mente. É com essas marcas, memórias - na forma de conhecimento - que olhamos. Por conseguinte, minha visão nunca é límpida, clara. Posso olhar-me com olhos que nunca foram contaminados pela experiência? Por favor, preste atenção a isso - e faça-o. Faça-o, e verá algo. Se me olho com os olhos da experiência, com olhos que já viram tantas coisas por que passei - tragédias, pensamentos, desesperos e sofrimentos - esses olhos não poderão ver nada claramente. Pode a mente libertar-se de todo o passado, para olhar?
Pode a mente tornar-se cônscia de seu condicionamento, olhá-lo sem nenhuma deformação, nenhuma parcialidade? Eis o problema. É possível olharmos qualquer coisa - a árvore, a nuvem, a flor, a criança, um rosto de mulher ou de homem como se a estivéssemos olhando pela primeira vez? É este com efeito, o problema central: olhar com liberdade.
Liberdade significa "estar livre de todo o passado". O passado é a cultura em que fomos educados, são as influências sociais e econômicas, as peculiares tendências de cada um de nós, os impulsos, os dogmas e crenças religiosas. Com esse passado queremos olhar-nos e, todavia, nós mesmos somos esse passado.
Há duas qualidades de liberdade. Há a liberdade consistente em estar livre de alguma coisa - estar livre da cólera, por exemplo. Mas libertar-se de uma coisa é uma reação, não é, obviamente, liberdade. Estar livre do nacionalismo não significa nada; todo homem verdadeiramente inteligente está livre desse veneno, mas isso não significa liberdade. Há uma liberdade de espécie completamente diferente, um estado mental em que não existe esforço algum. Essa liberdade é o amor. Este não existe quando você diz: "Preciso aprender a amar, preciso "praticar amor", "Detesto as outras pessoas, mas vou lutar, vou tentar amar." Isso não é amor. A liberdade é um estado mental em que existe o amor, e este não é o oposto do ódio, do ciúme ou da agressividade. Quando se trata de opostos e estamos tentando livrar-nos de um deles para alcançarmos o outro, esse outro tem sua raiz em seu próprio oposto, não é verdade? Por meio de conflito, a liberdade jamais será compreendida.
Jiddu Krishnamurti em, A libertação dos condicionamentos
Dissemos que os sistemas, filosofias e religiões não deram liberdade ao homem; ele continua na prisão em que converteu sua consciência, e isso de modo nenhum é liberdade. É o mesmo que um prisioneiro, vivendo entre quatro paredes, dizer que é livre. Não é livre; poderá dar voltas no pátio da prisão, mas a liberdade é uma coisa totalmente diferente, acha-se inteiramente fora da prisão. Vendo-se todo esse complexo das relações humanas, esse complexo de condicionamento, batalha, luta, medo da morte, solidão, desespero, falta de amor, brutalidade, agressividade, temos possibilidade de libertar-nos dele, de ultrapassá-lo completamente? Nenhum agente exterior pode socorrer-nos; o "agente exterior" é outra invenção dá mente condicionada, outra ideologia da mente que é incapaz de descobrir a saída e, por conseguinte, necessita de uma crença. Ora, quando você varre tudo isso para o lado, resta-lhe apenas o fato de que a mente está toda condicionada, tanto a mente consciente como a camada inconsciente, mais profunda. Se estamos cônscio desse fato, que sucede? Se me torno cônscio de que tudo o que faço, todo movimento de pensamento, todo meu esforço, se acha entre os limites desse condicionamento, que sucede então? Entende esta pergunta? Percebo que minha mente e até mesmo todo o complexo de células cerebrais estão gravados do enorme peso do passado - memórias, experiência, conhecimentos, tradições, sistemas de comportamento, aceitos em nome da lei e da ordem e que, contudo, permitem a agressão, o assassínio mútuo, a mútua destruição pela palavra, os gestos, as ações. Ora, como posso tornar-me cônscio disso? Intelectualmente? (Tenha a bondade de acompanhar-me até o fim; não fique meramente escutando, ouvindo, mas acompanhe-me realmente.) Como posso tornar-me cônscio desse fato? Preciso perguntar a mim mesmo: "Que entendo por 'estar cônscio'?", "Como estou olhando o meu condicionamento?" É bem óbvio que, ao olhá-lo, ou o condeno, ou o justifico, ou o aceito como inevitável.
[...] Assim, que entendemos por "percebimento de um fato"? Sinto que estou condicionado; isso é um fato, e eu o percebo, dele estou cônscio, conheço-o; que significa isso? Existe alguma separação entre esse percebimento e a coisa percebida? Estou cônscio de meu condicionamento como uma pessoa que o observa "de fora"? Sei que somos agressivos, em palavras, em sentimentos, em atos. Sei-o como conhecimento, ou estou em comunhão com o fato, não como uma entidade externa: uma comunhão que se estabeleceu entre a entidade que está cônscia e a coisa de que está cônscia? Entende? Muito importa compreender isso. Você diz "sei que estou condicionado"; ora, "sei" é uma palavra muito complexa. Você esteve antes olhando o seu condicionamento, aprendeu alguma coisa a respeito dele e diz "sei". Mas, dizendo "sei", já acumulou conhecimentos a respeito dele, e é com esses conhecimentos que o olha. Mas, no ínterim, a coisa, o condicionamento, está sujeita a modificar-se, e de fato se modifica. Por conseguinte, é perigoso em extremo dizer "sei". Dizer "eu conheço você" é um absurdo. Ao dizer "conheço minha mulher, meu marido, meus filhos, meu amigo, meu Deus (este vem por último) - isso significa que conhece sua esposa, ou seu marido, ou seu amigo, como eram há dois ou três dias antes. Ora, no ínterim, o amigo, o marido ou a esposa modificou-se. Portanto, dizer "sei" (ou "conheço") é errôneo (se posso usar essa palavra). O conhecimento, pois, lhe impede de olhar. Ora, posso "olhar" sem a experiência prévia, sem o conhecimento, isto é, posso olhar de maneira nova, "com olhos novos"? A vida é uma série de experiências, conscientes ou inconscientes; as experiências, as influências de vária espécie, as idéias, a propaganda - tudo isso está constantemente a despejar-se e a deixar marcas em nossa mente. É com essas marcas, memórias - na forma de conhecimento - que olhamos. Por conseguinte, minha visão nunca é límpida, clara. Posso olhar-me com olhos que nunca foram contaminados pela experiência? Por favor, preste atenção a isso - e faça-o. Faça-o, e verá algo. Se me olho com os olhos da experiência, com olhos que já viram tantas coisas por que passei - tragédias, pensamentos, desesperos e sofrimentos - esses olhos não poderão ver nada claramente. Pode a mente libertar-se de todo o passado, para olhar?
Pode a mente tornar-se cônscia de seu condicionamento, olhá-lo sem nenhuma deformação, nenhuma parcialidade? Eis o problema. É possível olharmos qualquer coisa - a árvore, a nuvem, a flor, a criança, um rosto de mulher ou de homem como se a estivéssemos olhando pela primeira vez? É este com efeito, o problema central: olhar com liberdade.
Liberdade significa "estar livre de todo o passado". O passado é a cultura em que fomos educados, são as influências sociais e econômicas, as peculiares tendências de cada um de nós, os impulsos, os dogmas e crenças religiosas. Com esse passado queremos olhar-nos e, todavia, nós mesmos somos esse passado.
Há duas qualidades de liberdade. Há a liberdade consistente em estar livre de alguma coisa - estar livre da cólera, por exemplo. Mas libertar-se de uma coisa é uma reação, não é, obviamente, liberdade. Estar livre do nacionalismo não significa nada; todo homem verdadeiramente inteligente está livre desse veneno, mas isso não significa liberdade. Há uma liberdade de espécie completamente diferente, um estado mental em que não existe esforço algum. Essa liberdade é o amor. Este não existe quando você diz: "Preciso aprender a amar, preciso "praticar amor", "Detesto as outras pessoas, mas vou lutar, vou tentar amar." Isso não é amor. A liberdade é um estado mental em que existe o amor, e este não é o oposto do ódio, do ciúme ou da agressividade. Quando se trata de opostos e estamos tentando livrar-nos de um deles para alcançarmos o outro, esse outro tem sua raiz em seu próprio oposto, não é verdade? Por meio de conflito, a liberdade jamais será compreendida.
Jiddu Krishnamurti em, A libertação dos condicionamentos
Nenhum comentário:
Postar um comentário