Creio que a maioria de nós percebe a necessidade de uma revolução radical de que resulte uma nova dimensão do pensamento, isto é, que comecemos a pensar num nível completamente diferente, pois, de modo nenhum podemos continuar como estamos, e sempre estivemos, ou seja, repetindo um padrão e "funcionando" dentro de seus limites. O comportamento ou conduta restrita a um conceito — seja o chamado conceito religioso ou político, seja do centro, da extrema esquerda, ou da extrema direita — o funcionar dentro de um padrão constitui uma continuidade do que foi; e penso que a maioria de nós está bem consciente de que essa "revolução de repetição" , não é verdadeira revolução.
Observa-se no mundo — talvez melhor ainda neste país — a deterioração que está invadindo todos os níveis de nossa existência. E, observando esse fenômeno, sem emoção nem sentimentalidade, somos naturalmente levados a investigar se não existirá um caminho diferente, uma maneira diferente de considerar o problema da existência e das relações humanas, se não haveria a possibilidade de uma revolução que projete todo o processo do pensar numa dimensão inteiramente nova. Em primeiro lugar, acho que à maioria de nós, tanto aqui como fora daqui, no mundo, se apresenta bem clara a necessidade de uma mudança profunda, radical, no comportamento humano, nas relações humanas e, por conseguinte, no pensar humano.
Mas, como, de que maneira e em que nível irá realizar-se essa revolução? Veja o que está ocorrendo neste país: industrialmente, talvez esteja progredindo muito; cientificamente, um pouco atrasado, bastante à retaguarda, quem sabe, do Ocidente; mas, moral, intelectual e religiosamente, acha-se estagnado. Não estou dizendo nada de estranho, nada de injurioso, pois se trata de um fato óbvio, cotidiano. E observa-se, também, que a mente, o próprio cérebro se tornou mecânico e, por conseguinte, repetitivo: ensine-se a ele um certo padrão de comportamento, certas normas de conduta, certas atitudes, desejos, ambições, etc., e ele ficará funcionando dentro desse canal, desse padrão. Observa-se tudo isso — não vamos entrar em minúcias, já que isso é irrelevante, pois qualquer um pode encontrar as minúcias se observar bem, se ler os jornais, se olhar em torno de si — tanta miséria, sordidez, ineficiência, absoluta falta de consideração por quem quer que seja, total ausência de afeição, de amor, a perpétua repetição de frases, ideias, teorias sobre a existência de Deus, o padrão socialista, o padrão religioso, o padrão comunista, etc.
Ora, observando-se tudo isso, percebe-se a necessidade de uma radical transformação da própria natureza do cérebro. O cérebro, dizem os antropólogos, existe há dois milhões de anos. E podemos continuar por outros dois milhões de anos a repetir o mesmo padrão: sofrimento, dor, mulher, família, filhos, marido, disputas, nacionalidades, a esquerda, a direita, a asserção de que há Deus, a asserção de que não há Deus, de que devemos ser virtuosos, de que devemos ser isto ou aquilo. Podemos continuar indefinidamente a repetir o mesmo padrão — ligeiramente modificado, alterado, mas sempre repetido.
Pode-se, por conseguinte, ver que a própria natureza do cérebro deve passar por uma tremenda revolução — revolução que lhe interessa, não na qualidade de indivíduo unicamente interessado em seu próprio cérebro, porém na qualidade de ente humano. Não sei se se pode diferenciar entre o indivíduo e o ente humano — eu pelo menos quero diferenciar. Sempre que falamos a respeito de mudança, nos referimos à mudança individual. Isto é, você muda e eu mudo, promovendo uma diferente atividade, estabelecendo um padrão diferente em nosso insignificante cérebro — cada um de nós, como indivíduo, em certa posição, em certo estado de relação; como indivíduo que vive a lutar e a lutar por se tornar um pouco melhor, possuir um pouco mais de caráter, um pouco mais de inteligência, ser um pouco mais bondoso, ter um emprego melhor, etc.; como indivíduo, a funcionar na estreita esfera de sua própria consciência. É isso o que em geral se chama "um indivíduo"; e se, nessa existência insignificante e condicionada, a pessoa se torna um pouco atenta, vigilante, trata de fazer alguma coisa, a fim de provocar alguma transformação, por ação da vontade, do controle, da repressão; e fica perenemente a fazer alguma coisa dentro da limitada esfera de sua própria existência. É isso o que chamamos "o indivíduo", em oposição ao "coletivo" — sendo este a multidão, a sociedade, a nação, a raça, etc. etc.
Ora, esse "indivíduo" existe de fato, ou o que há é apenas uma divisão artificial entre o coletivo e ele próprio? Se uma pessoa se observa sem paixão, sem choque ou reação emocional, pode ver o que ela própria é: o coletivo. Você é o coletivo, é o resultado de seu ambiente, de sua sociedade, de seus dogmas religiosos, de suas pressões religiosas, do clima, da alimentação, do sol — não você, como indivíduo, porém o "coletivo", o grupo. Um ente humano total só existe fora desse padrão do "coletivo" e do "indivíduo". Observe! Não é questão de concordar ou discordar — pois isso não tem nenhuma significação. Porque não estamos aqui a discutir teorias ou opiniões com que você concorda ou discorda. Estamos observando fatos: e a respeito de fatos não há disputar. Você pode dizer que não vê o fato, ou pode não querer vê-lo, já que sua mente se acha muito confortavelmente instalada em determinada rotina e a repetir incessantemente que não deseja ver coisa alguma fora de seu próprio âmbito. Pelo exame do fato, pode-se ir ao encontro de algo completamente diferente, algo que não é nem o "indivíduo" nem o "coletivo", porém que se acha além, muito além de um e de outro. E — no meu sentir — só o descobrimento dessa coisa produzirá aquela extraordinária mutação no próprio cérebro.
Atualmente, nos servimos do cérebro num limitado sentido, ou seja como indivíduo tentando modificar o coletivo, ou como coletivo controlando o indivíduo: a sociedade moldando o cérebro segundo um certo padrão, com crenças religiosas, crenças econômicas, crenças sociais, etc. E tal atividade da consciência dentro dessa esfera particular, por mais ampla que seja, é sempre limitada e, por conseguinte, essa consciência não é verdadeiramente individual. A verdadeira individualidade, que é o ente humano real, está além dessa esfera, e cabe a nós descobri-la. Para descobri-la temos de compreender o inteiro mecanismo do cérebro; e, na própria compreensão desse cérebro, ocorre uma mutação — não o tempo, porém fora do tempo. É esta que considero a coisa mais importante para examinar e compreender. Por "compreender" não entendo a compreensão meramente verbal, porém a compreensão real, o percebimento real dessa coisa; não o entendê-la teórica, argumentativa, intelectual ou verbalmente, porém o viver com ela realmente.
A verdadeira questão, por conseguinte, é esta: É possível a você e a mim promover essa mutação no uso do próprio cérebro, uma revolução que não seja processo gradativo, no tempo, porém revolução, mutação imediata, resultante da compreensão imediata? Quando falamos de "compreensão" entendemos, com efeito, que compreendemos alguma coisa imediatamente, e não que a "compreenderemos depois de amanhã" — não é exato? Em geral se entende, pela palavra "compreender", compreender imediatamente. Ela implica, por conseguinte a inexistência do amanhã. Compreendemos, não filosoficamente ou pela ideação, porém realmente. Ou compreendemos uma coisa de imediato, ou não a compreendemos em absoluto. Buscar a compreensão por meio das ideias supõem o tempo, um período, uma distância que se tem de percorrer para atingir a compreensão, tornar-se bom, tornar-se não violento. Temos a ideia, temos a distância e, para percorrer essa distância, necessitamos de tempo; trata-se, por conseguinte, de um processo gradual. Esse é um dos fatores constitutivos da mente que tão condicionada foi pelo tempo, que pensa que só através do tempo se pode alcançar alguma coisa.
Naturalmente, necessita-se de tempo para construir uma estrada, aprender uma língua, para nos transportarmos daqui a outro lugar. Esse é um tempo absolutamente necessário. Mas o tempo ideológico — a ideia de uma perfeição, de um Deus, do que quer que seja, só atingível por meio do tempo — esse é um dos tradicionais padrões, de nosso pensamento, radicado no próprio cérebro. E perceber a sua falsidade é compreender a vital importância de uma completa transformação, agora mesmo.
Não sei se você já refletiu nisto. Se o amanhã não existe, realmente, psicologicamente, interiormente, então sua atenção se acha, toda inteira, no presente; e sua atitude perante a vida é perfeitamente integrada, perfeitamente inteiriça, não fragmentária. E essa é uma das mais importantes mutações que se pode verificar. Ao perceber o significado dessa ideia da existência de um amanhã e de que nesse amanhã nos tornaremos algo; ao perceber a verdade de que não existe amanhã, psicologicamente, então toda a estrutura cerebral, mental, emocional, psicológica, sofrerá uma tremenda transformação. A nosso ver, é essa a única revolução possível, atualmente, quem sabe sempre.
Não compare o que estamos dizendo com suas palavras sânscritas ou com o que foi dito por alguém; não exclame: "Ele está dizendo o mesmo que X disse, nos Puranas, nos Vedas, no Upanishads, etc." Quando você compara o que ouve com o que tem lido, cessou a compreensão. Naturalmente você não está escutando: só está escutando o que já sabe e comparando-o com o que ouve, para ver se as duas coisas "conferem" entre si; só isso. E quando o que você ouve dizer está de acordo com o que disse uma certa pessoa religiosa, você se sente altamente estimulado e diz: "Nada temos que recear; estamos em segurança." Não estamos falando de segurança. Ao contrário, estamos falando da necessidade de uma tremenda revolução, uma revolução que, obviamente, tem de ser religiosa.
Por "revolução religiosa" entendo uma revolução completa, total, não fragmentária. Trata-se da realidade total, e não da realidade econômica, da realidade social, da realidade psicológica, que são realidades fragmentárias. E toda revolução fragmentária só levará à repetição do que foi, apenas modificado; isso tem sido provado repetidamente... a Revolução Francesa, a Revolução Comunista... tais revoluções retornam sempre ao velho padrão, em nível um pouco mais alto ou mais baixo.
Assim, observando não apenas a si mesmo, mas qualquer revolução social ou econômica; observando, sem ideias nem teorias — você chegará sem dúvida a compreender a necessidade de uma completa mutação na mente, no cérebro, para se proporcionar ao homem uma existência pacífica — tendo-se em vista, não só a ameaça da bomba atômica, senão também todas as estúpidas divisões nacionais e religiosas. E é forçoso perceber a extraordinária importância dessa mutação, não para o indivíduo, mas para o homem como um todo. "O homem" significa você, e não o indivíduo. Nesse "homem" deverá verificar-se uma completa revolução. Ora, como promovê-la?
Percebe-se a necessidade dessa revolução; percebe-se que, para realizá-la, requer-se ardor, madureza e energia. E como produzir essa madureza e essa energia? O indivíduo está amadurecido — não em relação ao tempo, à idade, etc. — amadurecido, rico, completo, quando é capaz de olhar, de observar, de viver sem amargor, sem medo, sem desejo de preenchimento, pois tudo isso denota falta de madureza. Pertencer a uma dada classe de pessoas, a certas religiões, certas nacionalidades — tudo isso é infantil, nenhuma significação tem. Porque só depois de você jogar fora todos esses absurdos, sua mente estará amadurecida. Terá então, infalivelmente, energia — a energia de que necessita para promover aquela extraordinária mutação.
Do que estivemos dizendo esta manhã apura-se a necessidade de imediata maturidade e daquela intensa energia a ela inerente, para que se possa operar a mutação imediata. Ora, como isso é possível? Talvez eu não tenha enunciado o problema muito claramente, deixando de entrar em muitos pormenores; mas poderíamos ficar "pormenorizando" indefinidamente, sem darmos um passo à frente. Como produzir essa madureza e essa energia? Ou ela não é produzível?[...]
[...]Percebemos a necessidade de uma revolução fundamental na própria estrutura do cérebro; "estrutura", não no sentido biológico, porém na estrutura de nosso pensar, o padrão de nossos pensamentos, impulsos e ânsias. Para se promover a revolução fundamental, necessita-se de grande quantidade de energia; e essa energia só pode se tornar existente quando há madureza — não a madureza que pensamos poder alcançar mediante o ajuntamento de muitos fragmentos. Mas, como suscitar essa madureza?[...] Se para você se trata de um problema não imposto por outrem, que solução lhe dará?[...] Se é um problema seu, e não um problema meu, que estou lhe transferindo, que fará com ele? Ora, quando você tem um problema de fome ou de sexo, trata de fazer alguma coisa. Não diz: "Sentemos e conversemos sobre este problema". Se você tem verdadeiramente fome, necessidade de alimento, faz algo. Portanto, o que você vai fazer a respeito do problema a que me refiro? Ou melhor, o que você está fazendo? Ou dirá que é um problema que lhe atinge, mas que não sabe o que fazer com ele? Isso é mais provável, não?
Você está de acordo? Por favor, não concorde comigo. Você percebe o problema e diz a si mesmo: "Estou bem ciente de tudo; leio os jornais, as revistas; escuto, leio, e não ignoro o problema; mas não sei o que fazer". Exato? Ora, quem poderá lhe dizer o que fazer a respeito desse problema? Você tem fé em algum líder, inclusive na pessoa que está sentada neste estrado? Não ria! Por certo, você tinha toda confiança nos políticos, nos instrutores, nos homens religiosos; tinha toda confiança nos livros, nesta ou naquela coisa "sagrada", e agora tudo isso perdeu sua significação, não é verdade? As guerras continuam; há ódio, aflição, confusão, fome; e os políticos oferecem o céu deles. Mas, infelizmente, você não tem ninguém em quem confiar verdadeiramente — confiar verdadeiramente, e não teoricamente. Assim sendo, o que você fará? O que irá fazer?
Jiddu Krishnamurti em, Uma Nova Maneira de Agir
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