sábado, 23 de abril de 2016

Não sabemos o que significa amar


Temos de morrer para tudo, para cada dia, para todas as relações. Reflita bem nisso, para ver o que implica. Se você não morre para as suas relações, seja com sua mulher, seja com seus filhos ou seu patrão, continuará meramente num hábito; e todo hábito embota a mente, a torna insensível, incapaz de criar. Por essa razão, você está sempre com medo da morte, porque a morte é algo desconhecido. Você não pode apreende-la com a mente, com o pensamento. Não pode apreender o amor com o pensamento, nem pode cultivar o amor com o pensamento. Só pode compreender o amor e saber o que significa amar, quando morre para o ciúme, para a estreita esfera da família, quando o pensamento não dita as ações da vida. Quando você ama, pode fazer tudo o que deseja fazer, porque a vida é sem conflito. 

A mente que é ambiciosa, ávida, invejosa, desejosa de autoridade - essa mente não tem amor, embora fale muito de amor, com os políticos, os gurus, que estão sempre e sempre falando em amor, com o coração vazio, e cheios de conflitos e de ardentes desejos; nunca há um momento em que, dentro deles próprios, tudo esteja morto, a sua mente esteja inteiramente vazia. Só quando a mente está completamente vazia, é possível compreender essa coisa extraordinária chamada "amor". Quando você diz "Amo meu marido, amo meu filho", não ama; porque, se o marido ou a mulher lhe vira as costas, você sente ciúme, sente cólera, amargor. É isso o que você chama "amor". O amor não tem apego. E, portanto, amor não significa "amor à família".

Assim, para se compreender essa coisa extraordinária chamada "amor", é necessária a compreensão do tempo. E para se saber o que é o amor, deve haver a morte — morte para tudo que você tem acumulado, do contrário, não pode ter uma mente nova. Você necessita de uma mente nova, uma mente jovem, uma mente inocente, porque o mundo está marchando com muita rapidez e você não terá possibilidade de compreendê-lo, se dele não se aproximar com uma mente fresca, nova, inocente. Se você se aproxima como discípulo, como hinduísta, ou como católico, ou com as tolices que cada um leva consigo, como poderá compreender essa coisa extraordinária e tão vasta que se chama "a vida"? Para compreender a imensidade da vida, você deve morrer todos os dias para tudo o que conhece. Daí, então, é possível estar em intimidade com a morte. Quando não há medo de espécie alguma, há então amor. Não se divide então o amor em "mundano" e "espiritual"; só há amor. E, se você não ama, não importa o que faça, nunca resolverá os problemas do mundo, nem seus próprios problemas.

O amor implica afeto — afeto por seus filhos, para que recebam a educação correta, alimentação correta, roupas adequadas; afeto para com os seus servidores, se os possui. Mas, neste país ninguém conhece afeto; todos estão cheios de ideias, de especulações, de ideais e prontos para discutir interminavelmente sobre o que deve ser o amor, cintar incontáveis livros; mas não sabem o que significa amar. Amor significa afeto, e você não pode ter afeto se está competindo, se está comparando, se está educando seus filhos por meio da competição. Por conseguinte, só pode haver amor quando há esse extraordinário afeto em relação a tudo que está fazendo — também o que está fazendo no escritório, porque seu emprego não difere da vida. É um emprego "detestável", porém é sua vida; não pode eliminá-lo de sua vida. Nele você passa quarenta anos e deve, portanto, exercê-lo com afeto — no que você faz, no que pensa, no que sente, no que ordena.

Se você não sabe o que é o amor, morre como um ente humano lastimável, sem conhecer aquela imensidade que se chama a "vida". E, no conhecer a plenitude da vida, encontra-se a plenitude do "desconhecido". Só a mente que percebeu o significado do tempo, da morte e do amor — os três estão relacionados entre si — só essa mente pode "explodir" no "desconhecido".

Jiddu Krishnamurti em, Uma Nova Maneira de Agir

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"É porque se espalha o grão que a semente acaba
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"Acredito que o maior presente que alguém me pode dar é ver-me, ouvir-me, compreender-me e tocar-me. O maior presente que eu posso dar é ver, ouvir, entender e tocar o outro. Quando isso acontece, sinto que fizemos contato" — Virginia Satir

"A mente inocente é aquela que não pode ser ferida. Uma mente sem marcas de ferimentos recebidos — eis a verdadeira inocência; temos cicatrizes no cérebro e, com elas, queremos descobrir um estado mental sem ferimento algum. A mente inocente não pode ferir-se (isto é, sofrer ofensa), porque nunca transporta um ferimento de dia para dia. Não há, pois, nem perdão, nem lembrança.[...] A mente em conflito não tem nenhuma possibilidade de compreender a Verdade" — Krishnamurti