Como ser livre para olhar e aprender, quando nossa mente, da hora do nascimento à hora da morte, é moldada por uma determinada cultura, no estreito padrão do "eu"? Há séculos vimos sendo condicionados pela nacionalidade, a casta, a classe, a tradição, a religião, a língua, a educação, a literatura, a arte, o costume, a convenção, a propaganda de todo gênero, a pressão econômica, a alimentação que tomamos, o clima em que vivemos, nossa família, nossos amigos, nossas experiências — todas as influências possíveis e imagináveis — e, por conseguinte, nossas reações a cada problema são condicionadas.
Percebe que está condicionado? Esta é a primeira coisa que deve perguntar a si mesmo, e não como se libertar do condicionamento. Pode ser que nuca se liberte dele, e se disser "preciso me livrar dele", pode cair noutra armadilha, noutra forma de condicionamento. Assim, você percebe que está condicionado?[...]
Como você pode saber que está condicionado? Que é que lhe diz isso? Que é que lhe diz que você está com fome? — não cono teoria, porém o fato real da fome? Do mesmo modo, como é que você descobre o fato real de que está condicionado? Pela sua reação a um problema, a um desafio, não é? Você reage a cada desafio segundo seu condicionamento e como seu condicionamento é inadequado reagirá sempre inadequadamente.
Quando você se torna cônscio dele, esse condicionamento de raça, de religião e cultura lhe faz sentir aprisionado? Considere uma única modalidade de condicionamento, a nacionalidade, considere-a seriamente, com pleno percebimento, para ver se lhe agrada ou se lhe revolta, e se lhe causa revolta, se sente vontade de se libertar de todo condicionamento. Se o seu condicionamento lhe satisfaz, é óbvio que nada fará a respeito dele; mas, se não se sente satisfeito ao se tornar consciente dele, perceberá que nunca faz coisa alguma sem ele. Nunca! Por conseguinte, você está sempre vivendo no passado, com os mortos.
Você só percebe por si mesmo o quanto está condicionado quando se manifestar um conflito na continuidade do prazer ou na fuga á dor. Se tudo ao redor de você decorre de maneira perfeitamente feliz, sua esposa o ama, você a ama, tem uma bonita casa, filhos interessantes e dinheiro à farta, nesse caso não está consciente de seu condicionamento. Mas, quando surge uma perturbação, quando sua esposa olha para outro homem, ou você perde sua fortuna, ou se vê ameaçado pela guerra ou qualquer outra coisa que cause dor ou ansiedade — então sabe que está condicionado. Quando luta contra uma perturbação qualquer ou se defende de uma dada ameaça exterior ou interior, sabe então que está condicionado. E, como a maioria se vê perturbada na maior parte do tempo, seja superficialmente, seja profundamente, essa nossa perturbação indica que estamos condicionados. Enquanto um animal é mimado, reage agradavelmente, mas no momento em que se vê hostilizado, toda a violência de sua natureza se revela.
Nos vemos perturbados a respeito da vida, da política, da situação econômica, do horror, da brutalidade e do sofrimento existentes tanto no mundo como em nós mesmos, e essa perturbação nos revela quão estreitamente condicionados estamos. Que devemos fazer? Aceitar a perturbação e ir vivendo com ela, como faz a maioria dos homens? Nos acostumar com ela, assim como nos acostumamos com uma dor nas costas? Nos conformarmos com ela?
É tendência de todos nós nos conformarmos com as coisas, nos acostumar com elas, delas culpando as circunstâncias.[...] sempre culpando os outros, o nosso ambiente ou a situação econômica pelas nossas perturbações.
Se nos acostumamos com a perturbação, isso significa que nossa mente se embota, assim como uma pessoa pode se acostumar de tal maneira com a beleza que a cerca, que nem a nota mais. Nos tornamos indiferentes, calejados, insensíveis, e nossa mente se embota cada vez mais. Se não podemos nos acostumar com a perturbação, dela tratamos de fugir, recorrendo a uma certa droga, ou ingressando num partido político, bradando, escrevendo, ou assistindo a uma partida de futebol, indo a uma igreja ou templo, ou procurando outro tipo de divertimento.
Por que razão fugimos dos fatos reais? Temos medo da morte — isso apenas para exemplo — e inventamos teorias, esperanças e crenças de toda espécie, para disfarçarmos o fato da morte, mas esse fato continua existente. Para compreendermos um fato cumpre olhá-lo e não fugir dele. Em geral, temos tanto medo do viver como do morrer. Temos medo de nossa família, da opinião pública, de perder nosso emprego, nossa segurança, medo de centenas de coisas. O fato simples é que temos medo disto ou daquilo. Mas, porque é que não podemos enfrentar esse fato?
Só podemos enfrentar um fato no presente; mas, se você nunca o deixam estar no presente,porque estamos sempre a fugir dele, nunca poderemos enfrentá-lo, e, tendo criado uma verdadeira rede de fugas, estamos dominados pelo hábito da fuga.
Ora, se você é sensível, sério, por pouco que seja, não só estará cônscio de seu condicionamento, mas também dos perigos dele decorrentes, da brutalidade e do ódio a que ele conduz. Por que então, se você está vendo o perigo do seu condicionamento, não age? É por que é indolente? Indolência é falta de energia; entretanto, não lhe faltará energia em presença de um perigo físico imediato — uma serpente em seu caminho, um precipício, um incêndio. Por que então você não age ao ver o perigo do condicionamento? Se você visse o perigo do nacionalismo para sua própria segurança, não agiria?
A resposta é que você não vê. Por um processo intelectual de análise você pode ver que o nacionalismo leva à autodestruição, mas nisso não há nenhum conteúdo emocional. Só quando há esse conteúdo emocional, você tem vitalidade.
Se você vê o perigo do seu condicionamento como um mero conceito intelectual, jamais fará coisa alguma em relação a ele. No perceber um perigo como uma mera ideia, há conflito entre a ideia e a ação e esse conflito tira-lhe a energia. Só quando você vê o condicionamento e o seu perigo imediatamente, tal como vê um precipício, é só então que age; portanto, ver é agir.
A maioria de nós percorre a vida desatentamente, reagindo sem pensar, de acordo com o ambiente em que fomos criados, e tais reações só acarretam servidão, mais condicionamento; mas, no momento em que você aplicar toda a atenção em seu condicionamento, se verá inteiramente livre do passado; ele se desprenderá naturalmente de você.
Krishnamurti em, Liberte-se do Passado
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