[...] A criança chega ao mundo vazia, sem nada escrito nela, nenhuma indicação sequer do que ela vai ser — todas as dimensões estão abertas. Esta é a primeira coisa básica a ser entendida: que uma criança não é uma coisa, uma criança é um ser. Ela ainda não é, ela vai ser. Ela é um processo, e não há possibilidade de prever aonde ela vai terminar; qual será o resultado final de suas experiências de vida, de suas angústias, ansiedades e êxtases; o que ela vai atingir no fim, finalmente.[...] Os pais ficam preocupados com o que o filho vai ser[...] por isso eles podem ser explorados por todos os tipos de enganadores[...] Esses políticos, esses sacerdotes, esses pedagogos não deixam ninguém consigo mesmo para que se torne autêntico, para que possa ter sua face original, para que consiga se encontrar.
Em toda parte há pessoas com interesses investidos sobre toda criança. E a criança é simplesmente uma tabula rasa, nada está escrito nela; é uma grande tentação para todos escrever algo nela. Os pais, é claro, gostariam de escrever sua religião, sua casta, sua filosofia, sua política, porque a criança deve representá-los. A criança deve carregar a herança deles[...] Eles não estão interessados no potencial da própria criança — ninguém está interessado nisso. Estão interessados em seu próprio investimento e, é claro, todo mundo está investindo. Os pais estão investindo muito na criança, dando à luz, criando-a, educando-a; e tudo é condicional — se isso é dito ou não, não vem ao caso. Eles um dia, de algum modo, dirão: "Fizemos muito por você, agora é chegado o momento de você fazer o que queremos que faça". Eles podem não ter consciência do que estão fazendo, porque foram criados assim por seus pais. Geração após geração segue-se o mesmo processo.
[...] O que eu quero que você lembre é que todos estão interessados na criança por algo em que a criança não está de modo algum interessada. Mas a criança não tem saída, ela não pode lutar contra todas essas pessoas. Elas são poderosas. Ela é dependente delas; se querem fazer algo dela, ela tem de se tornar aquilo. Tudo isso fica absolutamente claro para a criança: se ela for contra os pais, está se comportando mal, está traindo-os.[...] A criança se sente culpada. Qualquer informação proveniente de seu próprio eu se transforma em culpa, e cada pretensão dos pais, dos políticos é muito bem recompensada. A criança começa a aprender política desde o início: a ser hipócrita, submissa. Seja autêntico e você será punido. Ora, a criança tem uma aritmética simples, e não podemos condená-la por isso.
[...] Ninguém está interessado na criança, e a razão disso é clara. A criança tem de ser moldada em certo padrão que se ajuste a uma sociedade, a uma nação, a uma determinada ideologia. Todos são sacrificados em prol de alguma estúpida ideologia, teologia, política ou religião. É por essa razão que as pessoas são distraídas.
Mas a criança permite isso pela simples razão de não saber quem ela vai se tornar. Naturalmente, ela depende de seus pais, dos mais velhos — daqueles que sabem mais. E ela não tem consciência de que eles não sabem mais; eles estão no mesmo barco, tão ignorantes quanto a criança; a única diferença é que a criança é também inocente. Eles são ignorantes, mas espertos, e justamente por causa de sua esperteza eles vão escondendo a ignorância com um conhecimento emprestado.
[...] As pessoas continuam fazendo coisas que outras as obrigaram a fazer — e vão continuar a obrigá-las. É muito improvável que os pais parem de obrigar seus filhos a serem apenas imagens da própria imagem deles, que os professores parem de lhes impor o que quer que eles "saibam", como se realmente soubessem. Eles continuam fingindo que sabem.
Este é o ponto que eu quero que você observe. Você aceitou tudo até agora. O que eles têm dito, você têm aceitado. Você tem de começar a questionar, a duvidar. Não tema as autoridades — não há autoridade. [...] Você será uma autoridade para si mesmo apenas se algum dia vier a conhecer a verdade de sua própria face original. Então, você não será uma autoridade para ninguém mais. Ninguém pode ser uma autoridade para outra pessoa.[...] Todo meu esforço é no sentido de, de algum modo, torná-lo alerta e precavido com relação a todas as autoridades.[...] Dê um fim a tudo o que ela tenha lhe dado e lhe imposto, e sua face original começará a aparecer.
Você nunca sabe, nunca pode nem sequer imaginar qual será sua face original, qual será seu verdadeiro ser. Só vai saber quando souber, quando estiver frente a frente consigo mesmo, quando não houver nenhum tipo de impedimento e você estiver totalmente sozinho.
Nessa solitude floresceram todos os seres que floresceram.
Não muitos têm florescido. Só um de vez em quando...
[...]
Osho
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