Perguntamos: É possível sermos livres? Podemos nós, na situação em que nos encontramos, condicionados, moldados por tantas influências, pela propaganda, pelos livros que lemos, pelo cinema, o rádio, as revistas - tudo isso a martelar-nos e a moldar-nos a mente - podemos nós viver, neste mundo, completamente livres, não só conscientemente, mas nas raízes mesmas de nosso ser? É este - assim me parece o desafio, o problema único. Porque, se não somos livres, não há amor: há ciúme, ansiedade, medo, domínio, cultivo do prazer - sexual ou outro. Se não somos livres, não podemos ver claramente e não há sensibilidade à beleza. Isto não são simples argumentos em prol da "teoria" de que o homem deve ser livre; uma tal teoria se torna, por sua vez, uma ideologia, e esta, a seu turno, separa as pessoas. Assim, se, para você, é este o problema central, o desafio máximo da vida, não há então nenhuma questão de ser feliz ou infeliz (isso se torna uma coisa secundária), de poder ou não conviver em paz com outros, ou de ser suas crenças e opiniões mais importantes que as de outrem. Tudo isso são problemas secundários, que serão resolvidos se o problema central for plena e profundamente compreendido e solucionado. Se, observando os fatos reais que lhe cercam e os fatos reais existentes dentro de você mesmo, sente realmente que é este o desafio único da vida; se percebe que a dependência das idéias, opiniões e juízos de outrem, a veneração da opinião pública, dos heróis, dos exemplos, geram a fragmentação e a desordem; se você vê claramente todo o mapa da existência humana, com suas nacionalidades e guerras, a separação entre seus deuses, sacerdotes e ideologias, o conflito, a angústia, o sofrimento; se você mesmo vê tudo isso, não como coisa ensinada por outrem, nem como ideia ou aspiração - surge então um estado de completa liberdade interior, não há medo da morte, e você e o orador estão em comunhão, em comunicação um com o outro.
Mas se, para você, não é este o principal interesse, o principal desafio e você pergunta se é possível a um ente humano achar Deus, a Verdade, o Amor, etc. - então você não é livre e, nesse estado, como pode achar alguma coisa? Como pode explorar, viajar, com toda essa carga, todo esse medo que acumulou através de sucessivas gerações? É este o único problema: É possível aos entes humanos serem realmente livres?
[...]A questão é esta: se é possível a um ente humano, a um indivíduo que vive neste mundo, numa sociedade tão complexa, tendo de trabalhar, manter casa, filhos, etc., tendo relações íntimas - ser livre. É possível viverem um homem e uma mulher numa relação em que exista liberdade completa, não haja domínio, nem ciúme, nem obediência - por conseguinte, numa relação em que haja amor? É possível? Como se pode ver alguma coisa claramente - as árvores e as estrelas, o mundo e a sociedade que o homem criou e que é você mesmo - se não há liberdade? Se, abeirando-se desta questão, você a olha com uma ideia, uma ideologia, com medo, com esperança, com ansiedade, "sentimentos de culpa" e as respectivas agonias - é óbvio que não pode ver claramente.
Se você vê tão claramente como o orador a importância de um indivíduo ser completamente livre - livre do medo, do ciúme, da ansiedade; livre do medo da morte e do medo de não ser amado do medo da solidão e do medo de não conseguir livre de todos os temores - se é este, podemos então partir daí. A libertação total é o único problema da existência humana, pois o homem vem buscando a liberdade desde o começo dos tempos, embora dizendo "só há liberdade no céu, e não na Terra". Cada grupo, cada comunidade tem uma diferente ideologia acerca da liberdade. Rejeitando e lançando para o lado todas as ideologias, perguntamos se, vivendo agora neste mundo, temos possibilidade de ser livres. Se você e eu percebemos ser este o único desafio de nossa vida, podemos então começar a descobrir por nós mesmos de que maneira irmos ao seu encontro, olhá-lo, entrar em contato com ele. Podemos começar deste ponto?
Jiddu Krishnamurti em, A libertação dos condicionamentos
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