domingo, 3 de abril de 2016

Estratégias de Sobrevivência: Agir para fora


Há um outro modo de lidar com o medo, a vergonha e a raiva, bem como com a nossa sensação de perda de controle: podemos aprender a agir para fora. Reagimos à raiva, às críticas e à dor tornando-nos também raivosos, ressentidos e críticos. "Pegamos" as outras pessoas antes que nos peguem. Nós as culpamos antes que nos culpem. A melhor defesa é uma boa ofensa. Erigimos um muro de emoções agressivas que nos protege de potenciais danos. E o garoto malvado no playground que diz: "Não se metam comigo!" É o garoto magoado que se faz durão e se veste de maneira agressiva. De maneira menos óbvia, essas pessoas podem parecer obstinadas e turronas, mandonas ou excessivamente exigentes. 

Se nos tornamos críticos e superiores, efetivamente nos distanciamos e nos defendemos enquanto construímos a ilusão do nosso próprio valor e importância. Ao nosso ver, separamo-nos da pessoa ou situação que estamos julgando e assumimos um papel superior. Se nos pudermos convencer de que o nosso julgamento está correto, poderemos cobrir nossa vergonha ou insegurança com uma fachada moralista.

Esse tipo de comportamento pode-se manifestar já na infância. Parece manifestar-se em maior escala no ginásio ou segundo grau, quando estamos transitando de crianças para adultos. É nessa época que "bolamos" as piadas cruéis sobre pessoas que não se encaixam nos nossos padrões: maníacos por computação, pessoas que vêm do bairro errado ou que não seguem a última moda. No pátio da escola, muitos de nós fizeram ou ouviram comentários como: "Viu a Emily? O vestido dela parece uma cortina de banheiro." Ou: "Como é que Ralph conversa com aqueles caras? Parece que saíram de baixo de alguma pedra." Ou: "Quem é que vai querer entrar na banda? A banda é para debiloides."

Os julgamentos mantêm as pessoas afastadas. Sustentam a nossa ilusão de superioridade e perfeição. Julgando os outros, escondemos o nosso medo; damos expressão à nossa raiva e senso de injustiça; mascaramos a nossa vergonha, os nossos sentimentos de inadequação. Acredito que julgamentos também escondem a nossa possível atração pela pessoa ou situação que estamos julgando. Talvez nos sintamos atraídos demais por um indivíduo ou situação e temos medo de admiti-lo, até para nós mesmos. Se condenamos o que nos atrai, criamos uma distância. Um bando de garotas fofocando sobre a saia curta de outra pode na verdade refletir o seu ciúme, o seu desejo de parecer tão atraente quanto a inimiga. Os comentários depreciativos sobre a banda podem disfarçar um desejo secreto de tocar trompete, mesmo que o nosso grupo não considere isso socialmente aceitável. 

Enquanto alguns indivíduos mantêm suas defesas e uma sensação de controle através da raiva e do julgamento, outros realizam a mesma coisa chorando, e outros, ainda, através de piadas compulsivas. Enquanto um garante a atenção e simpatia dos demais através de frequentes lágrimas, outro busca ganhar reconhecimento através da habilidade em fazer as pessoas rirem. A criança melancólica mantém a distância encorajando os demais a tratá-la com cuidado e piedade; o palhaço da turma se esconde atrás da ilusão de alegria. 

Chrtistina Grof em, Sede de Plenitude - Apego, Vício e Caminho Espiritual     

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"Acredito que o maior presente que alguém me pode dar é ver-me, ouvir-me, compreender-me e tocar-me. O maior presente que eu posso dar é ver, ouvir, entender e tocar o outro. Quando isso acontece, sinto que fizemos contato" — Virginia Satir

"A mente inocente é aquela que não pode ser ferida. Uma mente sem marcas de ferimentos recebidos — eis a verdadeira inocência; temos cicatrizes no cérebro e, com elas, queremos descobrir um estado mental sem ferimento algum. A mente inocente não pode ferir-se (isto é, sofrer ofensa), porque nunca transporta um ferimento de dia para dia. Não há, pois, nem perdão, nem lembrança.[...] A mente em conflito não tem nenhuma possibilidade de compreender a Verdade" — Krishnamurti