Outra estratégia de sobrevivência comum é DAR O FORA quando diante de uma situação altamente traumática. Escapamos da dor ao nosso redor recolhendo-nos ao porto seguro da fantasia, da ilusão ou dos reinos transpessoais. Recolhendo-se temporariamente da vida cotidiana, crianças magoadas se defendem, se preservam e se nutrem. Elas se protegem separando a consciência do resto do seu ser, de modo que não precisem registrar ou enfrentar as suas circunstâncias. Uma jovem garota que é molestada sexualmente rápida e instintivamente aprende a se afastar emocional e fisicamente. Recua para outro mundo, de modo que não precise experimentar a violação do seu corpo e da sua alma. Desse modo, não apenas se protege do impacto daquele evento, como também mantém uma identidade acessível apenas a ela. Diante de uma violenta ameaça a todo o seu ser, é capaz de resguardar um pedaço da sua individualidade que esteja intacto.
Esse refúgio interior oferece à criança segurança e conforto. Reflete a tentativa inconsciente de nutrir e cuidar de si mesma. Ela pode simplesmente tornar-se entorpecida, apagar a sua própria experiência ou proteger-se tão desesperadamente que não se recorde conscientemente do evento. Ou pode lançar-se a uma experiência expandida da sua Personalidade mais profunda, um lugar além da atividade desprezível a que está sendo sujeita. Nesse reino, ela pode sentir um tipo de apoio divino, uma proteção mística que ofereça um sentimento de apoio incondicional e comunicação que não estão disponíveis no seu mundo externo. Essa pode ser mesmo a sua primeira experiência mística.
Separar-se da realidade presente era uma das minhas estratégias de sobrevivência favoritas, e agora acredito que isso me permitiu adentrar antecipadamente os reinos espirituais. Começou durante o sofrimento do abuso sexual e logo passou a funcionar em muitas situações além dessa. Eu ia para um santuário em que sentia braços invisíveis me envolvendo, recebendo, abraçando e protegendo. Às vezes Jesus aparecia, oferecendo suas mãos para me ajudar e confortar. Meu porto seguro era um lugar de liberdade onírico, cheio de luz e expansão. Quando estava lá, eu estava bem. Ninguém me podia ferir. Eu estava segura.
Alguns pesquisadores estudaram o comportamento de prisioneiros políticos que, depois de capturados pelo inimigo, foram sujeitos a torturas. Descobriram que há um mecanismo pelo qual, quando a dor alcança certo ponto, a consciência da vítima se aparta do seu sofrimento. O prisioneiro transcende a agonia, muitas vezes experimentando um estado de êxtase em meio ao caos.[...] Quer a criança seja vítima de um trauma extremo, quer esteja sujeita a uma forma mais leve de abuso, o mecanismo de dissociação funciona do mesmo jeito. À medida que nos tornamos cada vez mais eficientes nele, aprendemos a usá-lo regularmente. Descobrimos que podemos escapar da realidade presente sempre que exista dor. Ausentamo-nos quando nossas interações sociais ou sexuais são difíceis, quando as conversas contêm informações desconfortáveis, quando estamos visitando um lugar onde não gostaríamos de estar.
Christina Grof em, Sede de Plenitude
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