Krishnamurti: Vocês se sentem em casa aqui? Sabem o que é uma casa, um lar?
Interrogante: O lugar onde se tem a certeza de encontrar apoio e ajuda. Onde você se sente à vontade, não se acanha, e se movimenta mais facilmente do que nos lugares em que você é um estranho.
Krishnamurti: No seu lar você não é um estranho. É isso?
Interrogante: ( 1) Nesse caso você tem muitos lares, porque pode ter vários amigos e irmãos. Sinto-me à vontade em diversos lugares.
Interrogante: (2) Você pode ter uma casa e morar nela, mas isso não significa que é um lar.
Krishnamurti: O que é que faz dela um lar?
Interrogante: (1) A afeição e a cooperação entre as pessoas que a habitam.
Interrogante: (2) O lar é o lugar onde temos segurança.
Krishnamurti: A isso vocês chamam lar? — ao lugar onde têm segurança, onde se sentem à vontade, onde não são estranhos?
Interrogante: O lar é tudo isso.
Krishnamurti: Continuem.
Interrogante: (1) É onde não se tem medo.
Interrogante: (2) Na realidade não me parece ter um "lar"; tenho uma casa na Califórnia e frequento esta escola.
Krishnamurti: Ele disse há pouco alguma coisa à qual, infelizmente, não prestamos atenção. Falou em “amigos e irmãos”, e disse também, “Onde quer que eu esteja estou em casa”. Você disse isso — não o negue agora. Pois bem, que é um lar para todos nós? Você disse, onde quer que esteja eu me sinto em casa. Onde não sou um estranho, onde estou à vontade, onde não sou tratado como pessoa de fora, onde posso fazer o que quero sem que ralhem comigo — é isso um lar? Na verdade, eles ralham com vocês, mandam-lhes para a cama à hora certa. Portanto, que é um lar?
Pergunta: Uma emoção que experimento por estar em casa?
Krishnamurti: Que emoção é essa? Sentimentalidade?... Quero descobrir o que é um lar para vocês, na realidade, não em teoria. Viajo o mundo todo — exceto a Rússia e a China — sou colocado em quartos diferentes, quartos pequenos e quartos grandes. Tenho dormido no chão, em camas de prata, tenho dormido em todos os tipos de lugares, e tenho-me sentido em casa — estão compreendendo? Para mim, lar significa o lugar onde estou, seja ele qual for. Às vezes há apenas um muro defronte da minha janela, às vezes um belo jardim, às vezes uma favela — estou-lhes contando coisas exatas, não estou fantasiando. Às vezes se faz um barulho tremendo à minha volta, o chão é sujo, etc. — E os colchões em que tenho dormido! Estou em casa nesses lugares como estou em casa aqui. O que quer dizer que trago comigo o meu próprio lar — estais compreendendo? Brockwood é um lar para vocês? Ou seja, um lugar em que podem lalar uns com os outros, sentirem-se felizes, brincar, trepar numa árvore quando o desejam, onde não há ralhos, nem castigos, nem pressões, onde se sentem completamente protegidos, onde sabem que alguém vela por vocês, dá-se ao trabalho de verificar se estão asseados, se suas roupas estão limpas, se pentearam os cabelos? Onde se sentem completamente seguros e livres? Isso é um lar, não é?
Interrogante: Isso é produzido pela auto-responsabilidade, de modo que ninguém precisa empurrar-nos para fazer coisas.
Krishnamurti: Não, não mudem de assunto. Esta casa é um lar para vocês naquele sentido?
Interrogante: É.
Krishnamurti: Têm a certeza de que se sentem seguros, protegidos, zelados, de que nunca os censuram e de que só os recomendam afetuosamente que não façam certas coisas?
Pergunta: Acaso nos sentimos seguros onde quer que estejamos?
Krishnamurti: Não teorizem. Estou-lhes perguntando se se sentem em casa aqui, no sentido em que todos concordamos, mais ou menos, que é um lar. Sentem-se em casa?
Interrogante: Sim, mais ou menos.
Krishnamurti: Quando eu disse mais ou menos, disse-o no sentido de que posso acrescentar-lhe mais coisas — onde há bons livros, boa comida, onde a comida tem bom sabor, onde ninguém ralha com vocês. Estão compreendendo o quero dizer?
Interrogante: O lugar é tão "ideal” que ninguém se atreve a dizer que nele somos repreendidos.
Krishnamurti: Ideais são sentimentalidade.
Interrogante: Sim, mas nós somos repreendidos.
Krishnamurti: Repreendidos afetuosamente, é claro. Pois bem, isto aqui é um lar para vocês? Não sejam indefinidos.
Interrogante: Aqui nos sentimos zelados.
Krishnamurti: Tenham, portanto, a bondade de dizer-me se se sentem em casa — Não estou afirmando que se sentem ou não, vocês é que devem dizer-me. Mas, se não quiserem falar, também está certo. Se aqui se sentem em casa, são também responsáveis?
Interrogante: Se eu não fosse responsável, não me sentiria em casa.
Krishnamurti: É por isso que pergunto. Levo uma peça do mobiliário desta sala para a sala vizinha, jogo-a lá e pouco me incomodo. Mas se for este o meu lar, eu me incomodarei — estão entendendo? Eis aí o que quero dizer com responsivo, responsável. Quando se sentem em casa, cuidam das coisas, cuidam de si mesmos, não querem magoar a mãe de vocês, dar-lhe muito trabalho. É uma espécie de movimento mútuo, afetuoso, criativo. Não conhecem todas essas coisas? Assim que se sentem em casa, que acontece?
Interrogante: Afeição.
Krishnamurti: Afeição, não é? Então poderão dizer-me: pelo amor de Deus, não me quebrem esse móvel; e porque também me sinto em casa, não ficarei magoado. Pergunto a mim mesmo se compreendem o que estou falando. Assim, quando estão em casa, a semente começa a germinar, sem que seja preciso cultivá-la, começa a florescer. É o que está acontecendo a todos vocês? Se não se sentirem em casa aqui, redescobrirão de quem é a culpa, se é de vocês ou de outra pessoa; corrigem-na, em vez de ficarem sentados e dizerem, “Bem, não me sinto em casa” — façam alguma coisa para remediá-lo. Quando crescerem, deixarão este lugar e enfrentarão o mundo. E se não tiverem a mente em vocês aqui, o mundo os destruirá. Serão espezinhados, que os homens são lobos, assassinos — não se iludam. A emoção de estarem completamente relaxados, completamente em casa — no sentido em que uso a expressão — produz a responsabilidade afetuosa. Compreendem o que digo? Compreendam-no, por favor. E quando tiverem a semente e ela florescer aqui, mantê-la-ão florida a vida toda. Mas se isso não funcionar, o mundo os destruirá; o mundo fará de vocês o que ele quer que sejam: um animal astuto. Portanto, verifiquemos se aqui estão em casa e, se não estiverem, por que não estão? Afeição é não-dependência, não sei se o compreendem. Alguns de vocês se casarão; e dirão à esposa: “Eu lhe amo, querida.” Em seguida sairão para o escritório ou para qualquer outra espécie de trabalho, e lá estarão cheios de ansiedade, desejosos de prosperar, repletos de ambição, cobiçosos. Voltando para casa, dirão: “ Querida, eu lhe amo.” Estão vendo a absurdidade disso? É o que acontece no mundo. Nele há apego, inveja, medo, ansiedade: ela não pode olhar para mais ninguém, só para mim. Se os pais realmente amassem os filhos não haveria guerras. Diriam: “Vivam, não matem, vivam.” Não haveria exército — vejam o que aconteceria. De modo que o que geralmente se chama lar não é lar coisa nenhuma. Portanto, este precisa ser o lar de vocês; passam aqui oito ou nove meses por ano e é responsabilidade de vocês — sabemos o que isso significa — fazer desta casa o lar de vocês, dizer-me, a mim, à sra. Simmons ou a quem for, “Este não é o meu lar porque não estão fazendo certas coisas” — entendem-me? Então partilharão disto. Estão apenas prestando atenção ou participando? Apliquem-se, criem, não deixem que os outros façam todo o trabalho, e digam: “ Sim, estou muito à vontade aqui, este é o meu lar.” Nesse caso, não será o lar de vocês, porque não o construíram. Desde pequeno, vivi em casa de outras pessoas, e nunca tive um lugar do qual pudesse dizer: “Este é o meu lar.” Mas há a emoção de estarem em casa onde quer que estejam porque são responsáveis, afetuosos. O lar não é uma criação de sentimentalidade, é uma criação de fato — o fato de sentir-me em casa. Isto é, sou livre, sou responsável, sou afetuoso. A responsabilidade total é a emoção de estar em casa.
Jiddu Krishnamurti - Conversações com os alunos e com o pessoal de Brockwood Park
Extraído do livro: O Começo do Aprendizado
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