terça-feira, 15 de março de 2016

No princípio era a educação - Alice Miller

"Os itens abaixo procuram demonstrar o que se pretende dizer:

1. Toda criança vem ao mundo para crescer, desenvolver-se, viver, amar e articular suas necessidades e seus sentimentos para sua proteção.

2 Para se desenvolver, a criança precisa da atenção e da proteção de adultos que a levem a sério, a amem e a ajudem de fato a se orientar.

3. Se essas necessidades de importância vital para a criança forem frustradas, ela passará então a ser explorada para satisfazer as necessidades dos adultos, irá apanhar, será castigada, sofrerá abusos, será manipulada, negligenciada, enganada, e, se nunca houver a intervenção de uma testemunha, sua integridade será violada para sempre.

4. A reação normal à violação seria a raiva e a dor. Porém, visto que a raiva, dentro do ambiente íntimo da criança, composto de pessoas que também tiveram sua integridade violada, lhe permanece proibida e visto que a vivência da dor na solidão seria insuportável, ela tem de reprimir esses sentimentos, bem como a lembrança do trauma, e idealizar seu agressor. Mais tarde, ela não terá consciência do que lhe foi feito.

5. Os sentimentos de raiva, impotência, desespero, ansiedade, medo e dor, agora separados de seus motivos verdadeiros, são, porém, expressos por meio de atos destrutivos contra outras pessoas (criminalidade, genocídio) ou contra si próprio (dependência de drogas, alcoolismo, prostituição, doenças psíquicas, suicídio).

6. As vítimas dos atos de vingança são muito frequentemente os próprios filhos, que cumprem uma função de bodes expiatórios e cuja perseguição continua sendo totalmente legítima em nossa sociedade, gozando até mesmo de alta consideração, enquanto designada como educação. De forma trágica, as pessoas batem em seus próprios filhos para não sentir aquilo que os próprios pais lhe fizeram.

7. Para que uma criança que sofreu abuso não se torne um criminoso ou um doente mental, é necessário que ao menos uma vez ela encontre em sua vida uma pessoa que perceba claramente que não é a criança espancada e desemparada que é louca, mas sim as pessoas que a circundam. É nesse ponto que o conhecimento ou o desconhecimento da sociedade pode ajudar a salvar a vida ou contribuir para sua destruição. Aqui reside a grande possibilidade de os parentes, procuradores, juízes, médicos e assistente tomarem claramente o partido da criança e acreditarem nela.

8. Até agora, a sociedade sempre protegeu os adultos e culpou as vítimas. Ela era apoiada em sua cegueira por teorias que, além de corresponder integralmente ao modelo de educação de nossos tataravós, viam na criança uma criatura ardilosa, dominada por instintos maléficos, que inventava histórias mentirosas e agredia os pais inocentes ou nutria por eles desejos sexuais. Na verdade, toda criança tem a tendência de culpar a si mesma pela crueldade dos pais e tirar deles, que elas sempre ama, tal responsabilidade.

9. Somente há alguns anos pôde-se comprovar, graças à utilização de novos métodos terapêuticos, que as vivências traumáticas da infância, quando reprimidas, são armazenadas no corpo e que, permanecendo inconscientes, atuam na vida posterior da pessoa adulta. Além disso controles eletrônicos efetuados em crianças aina no útero descobriram um fato que ainda não foi percebido pela maioria dos adultos, a saber, que a criança sente e aprende desde o início tanto a ternura quanto a crueldade.

10. graças a esses conhecimentos, toda conduta absurda revela sua lógica até então encoberta quando as experiências traumáticas vividas na infância já não precisam ficar no escuro.

11. O fato de nos sensibilizarmos com a crueldade sofrida na infância, crueldade essa até agora comumente negada, bem como suas consequências, por si só fará com que a transmissão da violência de geração para geração encontre um fim."


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"Acredito que o maior presente que alguém me pode dar é ver-me, ouvir-me, compreender-me e tocar-me. O maior presente que eu posso dar é ver, ouvir, entender e tocar o outro. Quando isso acontece, sinto que fizemos contato" — Virginia Satir

"A mente inocente é aquela que não pode ser ferida. Uma mente sem marcas de ferimentos recebidos — eis a verdadeira inocência; temos cicatrizes no cérebro e, com elas, queremos descobrir um estado mental sem ferimento algum. A mente inocente não pode ferir-se (isto é, sofrer ofensa), porque nunca transporta um ferimento de dia para dia. Não há, pois, nem perdão, nem lembrança.[...] A mente em conflito não tem nenhuma possibilidade de compreender a Verdade" — Krishnamurti