Como já disse, para sobreviver, a criança pequena precisa do amor, da dedicação, da atenção e do carinho dos adultos. Ela fará tudo para obtê-los e não os perder. Quando percebe que o interesse de alguma entre as suas pessoas de referência mais importantes e mais próximas possui um caráter sexual consciente ou inconsciente, o que frequentemente ocorre, porque muitas vezes os pais dos nossos pacientes levam uma vida sexual insatisfatória, então ela fica insegura e amedrontada e, em casos mais graves, totalmente desorientada. No entanto, empenhará todas as suas capacidades para satisfazer esses desejos ou, pelo menos, não os frustrar muito, não aborrecer o adulto e não correr o risco de ser rejeitada por ele, por preço nenhum.
[...] Quando se encara a criança pequena não como sujeito, não como portadora, mas como objeto dos desejos sexuais do adulto, então tornam-se necessárias outras reflexões: a criança pequena está muito mais sujeita aos toques dos adultos do que a criança maior. Ela vive muito mais próxima dos pais, muitas vezes compartilha do mesmo dormitório. Nos primeiros anos de vida, também é muito mais atraente e excitante do que na época em que troca de dentição e frequenta a escola. Além disso, pode-se confiar muito mais na discrição de uma criança pequena do que na de uma maior, e, afinal, até há pouco tempo, isto é, ainda hoje acredita-se que aquilo que acontece com as crianças bem pequenas não tem nenhuma consequência e nunca chega ao conhecimento de terceiros.
[...]É muito natural que a criança desperte desejos sexuais nos adultos, porque é bonitinha, insinuante e meiga e porque admira o adulto como nenhuma outra pessoa no seu entorno. Quando um adulto tem uma vida sexual satisfatória com seu parceiro da mesma idade, poderá renunciar à satisfação dos desejos que sente pela criança, sem rejeitá-los. Mas quando se sente humilhado pelo parceiro e não é levado a sério, quando suas próprias carências nunca são preenchidas nem podem amadurecer, ou quando ele mesmo foi uma criança seduzida e violentada, esse adulto terá uma forte tendência a transmitir suas necessidades sexuais à criança, antes que esta tenha a possibilidade de lidar com elas.
Alice Miller em, Não perceberás
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