É proibido às crianças criticar, elas não podem apontar nossos erros, nossas paixões e nossas situações ridículas. Apresentamo-nos sob a roupagem da perfeição. Sob a ameaça de nossa máxima ira, defendemos os segredos do clã dominante, da casta dos iniciados, chamados a executar as tarefas mais nobres. Só a criança pode ser tranquilamente colocada nua por nós na berlinda.
Nossa brincadeira com as crianças é um jogo com cartas falsas; cortamos o baralho das fraquezas da criança com os ases dos adultos.Como trapaceiros que somos, misturamos as cartas de tal modo que colocamos contra seus pontos fracos tudo o que é bom e valioso. Onde é que ficam nossos ociosos e levianos, os goumerts sibaríticos, os estultos, os preguiçosos, os malandros, os aventureiros, os inconsequentes, os mentirosos, os bêbados, e os ladrões? Onde ficam as nossas ações violentas e nossos crimes, os publicamente conhecidos e aqueles que nunca são descobertos. Quantas brigas, dissimulações, cenas de ciúme, difamações e chantagens existem em nós, palavras que ferem, ações que desonram? Quantas tragédias familiares ocorrem na surdina, nas quais as vítimas que mais sofrem SÃO SEMPRE AS CRIANÇAS? E nós ousamos culpar ou denunciar?
Será que somos tão parciais, a ponto de considerar as carícias que importunam tanto as crianças como gestos de amor verdadeiro? Não entendemos que somos nós que buscamos carinho na criança, quando a puxamos para o nosso lado; somos nós que fugimos para os seus braços quando nos sentimos desorientados, para buscar proteção e refúgio nos momentos de dor impotente e abandono sem fim, e transferimos para ela o peso do nosso sofrimento e da nossa angústia?
Janusz Korczak, 1981 - médico, pediatra, pedagogista, escritor, autor infantil, publicista, ativista social, oficial do Exército Polaco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário